CARTA 36 – De Samuel de Monteiro para Laura

Campinas, dia cento e noventa e oito, do período da quarentena, do ano de 2020

Querida Laura,

Um beijo grande!

Minha querida neta, é com grande alegria que escrevo estas linhas. Primeiro, para matar a saudade, que está muito grande e, para contar um pouco de como as coisas estão neste mundo que você chegou há tão pouco tempo.

Você, a mais nova integrante da nossa família, chegou a este mundo há pouco mais de quinhentos dias. Isso mesmo! Quinhentos dias! Então, eu preciso contar que isto significa que dois quintos da sua existência, até agora, se passaram em meio a uma pandemia mundial.

Sabe Laura, embora eu tenha me valido da matemática para iniciar esta carta, no fundo mesmo, o seu avô é fã da palavra. Talvez por ser filho de um repentista, neto de uma poetisa, por parte de pai e de um bom contador de histórias, por parte de mãe. Com certeza, estas raízes tiveram alguma influência nesta escolha pela palavra.

Deixa-me contar uma coisa legal sobre mim. Seu avô é cordelista. Imaginei agora a sua carinha de interrogação, enquanto sua mãe lê esta carta para você. O que será que faz um cordelista? Será que ele é um especialista em cordas? Ou, faz listas de cordas?

Eu vou explicar bem rapidinho. O seu avô faz um estilo de poesia, quase que medieval, que, aqui no Brasil, ganhou muita força no nordeste brasileiro, onde eu nasci. É uma poesia popular, com rimas, com um ritmo cadenciado, por causa da métrica, e com uma história que cativa. No fim, é isto que importa. O seu avô é um contador de histórias.

Mas eu não estou escrevendo para você, neste momento, para falar de mim. Não. De jeito nenhum! Eu resolvi escrever para falar do nosso mundo e de você, nele!

Eu sei que você pensa que é normal, por exemplo, ver todo mundo com uma máscara no rosto ou as pessoas cumprimentando-se de longe, sem abraço, beijo ou aperto de mão. Aniversário bom para você é uma videoconferência bem animada, com sua família maluca, onde todo mundo fala ao mesmo tempo e ninguém entende nada e mesmo assim acaba em boas risadas. Um bolo com a mamãe. Sem crianças por perto, sem tios, tias, primo, avô e avó.

Talvez você ache natural não almoçar na casa dos avós no domingo e nem passear com seus tios e tias. No seu mundo, o normal é ver a mamãe todo santo dia. E, como ela ama você bastante, isto é o suficiente.

Sabe, Laura, meu amor, eu juro para você, que abraçar é bom, que brincar com seu primo Matheus, que tem o dobro da sua idade, é bem divertido; que ser paparicada por tios, tias, avós e bisavós é tudo de melhor nesta vida!

Aniversário legal é aquele com os amigos do bairro, da escola, os primos, familiares e tudo mais. Não acredita? Pergunte para o Matheus, na próxima videoconferência. No aniversário dele, de um ano, fizemos uma festança. Toda a família reunida. Você estava lá. Não lembra? É natural! Bebês têm memória curta. Temos fotos. Depois o vovô mostra pra você!

Estes dias todos foram tão diferentes, minha querida. Para todos nós. O avô planejou tantas coisas para fazer contigo e com o Matheus. Tantas histórias para contar. Enfim, logo estaremos juntos e sei que seremos capazes de recuperar todo este tempo perdido.

Seus primeiros passos eu vi num vídeo encaminhando numa mensagem de sua mãe, no nosso grupo da família. Suas primeiras palavras, em algum aplicativo de rede social. Sua alegria e sorriso, nas nossas videoconferências de aniversários. Já celebramos alguns nestes quase duzentos dias. Da sua mãe, do seu avô, o seu primeiro ano de vida, o segundo ano de vida do seu primo Matheus, dos seus tios, tias, dia das mães, dos pais. Quantas transmissões!

Que pandemia! Ela sozinha já seria mais que suficiente para nos deixar de cabelos em pé, não é mesmo, menina?

Aí você me pergunta: “E o que mais está acontecendo, vovô?” Eu respondo que, além da pandemia, temos uma Amazônia que já queimou bastante, um Pantanal e um cerrado ardendo em chamas, o meio ambiente ameaçado, os índios acuados em suas terras, o machismo, o racismo, o fascismo e tanto “ismos” que insistem em tornar este mundo mais complicado do que deveria. Talvez eu não devesse contar tudo assim, de uma vez só. Desculpa, minha linda! É só o mundo.

Agora sorria! O melhor eu deixei para o final. A vida é incrível, Laura! De verdade. Tem a poesia, tem pessoas queridas e as frutas! Ah! As frutas. Aliás, eu preciso dar umas dicas para você sobre frutas! Temos as flores, as aves, um céu azul, um pôr-do-sol todo santo dia e muitas noites de luar!

Outra coisa boa é um banho de cachoeira, um mergulho no mar, brincar de fazer castelo na areia da praia e, já aviso, você vai adorar esta parte. Brincar com areia, com terra e com barro. Sempre é bom!

Ficou curiosa sobre as dicas sobre as frutas? O avô fez uma poesia que se chama “frutas molecas”. Eu vou escrevê-la para você. Quer saber? A partir de agora fica decretado, nesta quarentena, que o soneto “Frutas Molecas” é uma homenagem do avô para você e seu primo, Matheus.


Caras lambuzadas e pernas cruzadas
Sentados alegres, no chão de um terreiro
Entre mordidas, barulhos, risadas
Uma fruta desperta o sorriso faceiro

Amora ou manga? – Melancia primeiro!
Pedem os donos das roupas manchadas
– Mancha de fruta, sai no aguaceiro!
Respondem as mães já acostumadas

Mexerica azedinha, abacaxi bem docinho
Melancia vermelha e o chão molhadinho
Viagem no tempo, lembranças sapecas

Colhidas no pé, eu sinto o gostinho
Da amora, da manga, bem perto do ninho
O gosto de infância das frutas molecas!

Como você percebeu, as frutas molecas têm como característica principal a de fazer bagunça. Quando consumidas, elas sujam chão, roupas, lambuzam caras e bocas. Graças a forma como devem ser consumidas, para que seus efeitos benéficos aconteçam.

Quando consumidas da maneira certa, os efeitos são alegria incontida, aumento da capacidade de voltar aos tempos de criança, desejo de estar com as pessoas que amamos e disposição para brincar.

Há de se cuidar dos efeitos colaterais, que podem ser o riso frouxo e roupas manchadas, que ficam limpas num aguaceiro. Ah! Aguaceiro é uma chuva boa ou aquela água que corre numa bica, sabe? Pode dar uma vontade enorme de brincar com alguém! Enfim, elas são deliciosas!

No começo da carta, o avô contou que era cordelista. Então, eu prometo que assim que isto passar eu vou declamar muitos cordéis para você e o Matheus. E vamos poder nos abraçar, passear, brincar e o melhor: Aprendermos um com o outro.

O desejo do vovô é que você, o Matheus e outras tantas crianças sejam capazes de tornar este mundo melhor do que tem sido ultimamente. Para isso, vamos abastecer vocês de amor, poesia, respeito, empatia, solidariedade, bondade e senso de justiça. Vamos contar histórias. Algumas tristes, para que aprendam como não fazer e outras muito felizes, para que vocês trilhem o melhor caminho.

O vovô deseja que você seja muito feliz, que aprenda cada vez mais, que tenha sua curiosidade aguçada sempre e que, um dia, você ame a poesia, tanto o quanto eu amo você.

No futuro, este mundo será seu, minha linda. Será de vocês.

Findo esta carta, com o meu coração repleto de saudade e esperança.

Amo você

Vovô

Imagens: Samuel de Monteiro

CARTA 35 – De Mariana Paiva para Quito

Quito,

Outro dia você me perguntou como eu vim parar aqui e eu te deixei sem resposta, não foi? Mas escrevo essa carta pra te contar que eu sei, eu já sei de tudo. Demorei porque ando estudando tanto, é doutorado, graduação, curso de extensão, tanta coisa que parece que em uma vida não cabe tanto saber. O pior é que não sei viver de outro jeito, sou que nem aquele coração selvagem da música de Belchior: eu quero corpo/ tenho pressa de viver. É ruim mas é bom também, dá a sensação de ter vivido vinte vidas numa só, veja bem que coisa doida, eu que já tive a vida de fotógrafa de editoria de polícia, de apresentadora de programa de rádio, de jornalista de cultura, de assessora de imprensa de gente muito, muito rica, que contratava a empresa só pra sair na coluna social. São mil vidas, baby. Tudo sempre junto com esse negócio de escrever, eu não sei mesmo viver sem. Ontem mesmo eu chorei um pouquinho e disse que devia ser falta de escrever. Então pronto, vou te contar umas coisas que eu já tô devendo e quem sabe, depois dessa, eu me sinta até bem bem bem melhor.

Então lá vai sua resposta: quando me dei conta eu estava aqui. Cheguei para ficar como se fosse por duas semanas, deixei para trás um rastro de livros e roupas e recordações. Hoje eu entendo que era um salto de liberdade. Um lugar novo onde ninguém me sabia de antemão, no qual as ruas eram todas iguais.

Uma vez o celular descarregou e eu estava sozinha: descobri então que não sabia chegar em casa. Parei o carro numa imobiliária, e um senhor veio me receber na porta, perguntando: “Boa tarde! Vamos comprar uma casa?”. Eu respondendo que precisava de ajuda para achar a minha. Seu Roberto olhou no mapa e me explicou que minha casa estava a três ruas à direita. E me emprestou energia elétrica, me serviu cafezinho, me contou de sua família e dos filhos de minha idade. Três ruas depois eu estava em casa. Na que também ainda não era a minha, a muito minha, a que eu vim buscar sendo longe, morrendo de saudade do mar.

Eu que tinha tudo deixei tudo pra trás para saber quem eu seria muito dona de mim, de meus ritmos, meus jeitos. A quem ficou peço desculpas mas eu precisava. Porque a vida é antes de tudo uma jornada na qual ponto de partida e ponto de chegada coincidem, e que é a gente, e hoje eu sei que vim me buscar nessas ruas de asfalto cortadas ao meio para a água da chuva não transbordar. Numa tardinha ouvindo O estrangeiro de Caetano no sebo de Nanah, na liberdade de ser quem eu sou longe de tantos olhares conhecidos. No passarinho que fez ninho na janela e nos filhotes que nasceram essa semana. Crescem e logo encontram seus rumos, o céu é tão grande pra não sair do lugar. Também sei, passarinho, tenho vontade de te dizer.

Foi assim que eu vim. Todo o dia eu rego as plantas, escrevo, vejo um filme, trabalho, estudo, cozinho alguma coisa muito boa. Música eu ouço da hora que acordo até a hora que vou dormir. E você? Eu sei que você entende também bastante disso tudo porque eu imagino que é o que você faz também. Nem sei porque a gente não se vê mais, São Paulo não é tão longe assim. Isso claro desconsiderando a pandemia, mas sei lá por que é que a gente não se via mais antes. É assim, né? Parece que a vida de antes foi em outra encarnação, porque já se passaram tantos dias nesse ritmo de estar dentro de casa e só sair de máscara e mesmo assim quase nunca sair que eu mal lembro como era. Pense aí, mais de seis meses. E a gente nem pode reclamar tanto porque é tanto privilégio que a gente tem, né? Mas lá do fundo eu reclamo baixinho porque não sei viver sem liberdade não. Sem a possibilidade de pegar de novo outro avião com a mala de novo cheia de livros e com pouca roupa – as tais “duas semanas” e ficar em outro lugar sem prazo de voltar. Mesmo que eu não vá, agora eu queria a possibilidade.

E os abraços. Acho que no dia que a vacina chegar eu vou me soltar na rua abraçando todo mundo que passar perto de mim. Outro dia fui buscar uma coisa na loja de uma amiga e peguei na mão dela, ela que já teve covid há não sei quanto tempo (há muito). Peguei na mão dela pra me lembrar de que eu mesma ainda tô viva, que eu mesma ainda sei pegar na mão de minha amiga, e pra me lembrar de como é bom tocar a mão de quem não está o tempo todo nas vistas da gente. Como é que a gente explica essa distância toda ao coração?

Receio que a gente não vá nunca explicar. Pelo menos não de um jeito que ele entenda.

Te amo, se cuide,
passe álcool gel nas mãos,
ouça bastante Claudine Longet,
um beijo em Jack e nos gatos,
e um pra você, com vale-abraço
pra quando essa doideira passar,

Maroca

Imagens: Mariana Paiva

CARTA 34 – De Jeff Vasques para Rodrigo

Outro dia, Rodrigo, minha carta não chegou ao destino. E você bem sabe, poeta, das palavras que se perdem pelos caminhos… desse risco que corremos, bem aqui, entre a língua e olvido… Que o destino destas palavras não se perca, meu amigo, ainda que remetam ao impossível…

Tanto tempo, bicho, sem mensagem alguma tua! Sinto tua falta, Rodrigo, desse teu olhar terno e revolto pro mundo. Ainda mais nestes tempos de vírus, tempos virulentos. Viver é perigoso, disse, não o Rosa, mas um certo presidente cínico, diante da pandemia. Um “e daí?”, extremamente infeccioso, contaminou nosso tempo. Viver é criminoso. E você sempre soube disso, né, Rodrigo. Sempre viu essa doença por trás dos olhares vazios dos transeuntes. Aquele ódio que só agora encontrou condições pra viralizar. Te imagino acompanhando isso tudo, pensando como deveríamos estourar em greve, parar as fábricas, o medo, as máquinas, as mortes, exigir o fim da normalidade. Mas, por ora, querido, só a greve dos Correios é grave.

E me lembrei de ti, meu caro poeta carteiro, em meio à greve de 2014, me contando das cartas de amor extraviadas pelos piquetes e das encomendas em barricada. Naquela assembleia lotada da unidade da Glicério, 40 dias já sem correspondências, e você, tão animado, ousando pedir a palavra pra gente ler uns poemas, pra eu ler minhas “poesias de luta”. Esse teu desejo bonito (que compartilho) de deflagrar a palavra de(s)ordem dentro dos discursos enrijecidos…. você que, com um caminhão de som na boca, discursara tantas vezes a outros “girassóis de pano”, como se referia à categoria… que já lutara tanto, sabia que “hay que enternecerse, sin perder la dureza jamás”, como ousei dizer em algum livro (que você sempre lia).

Segue comprando brigas, meu amigo? Não consigo te imaginar descansando em paz, em qualquer lugar que esteja. Você sempre soube como a vida é luta, você é todo combate, Rodrigo… mas, talvez, não saiba como é, também, todo poesia. E isso me dói, amigo. Queria te fazer crer nisso nesta carta… que você incandesce as palavras, e que entre elas e tua prática nunca houve abismos. Você lembra o que fez quando a greve foi declarada “abusiva” pela “justiça”? Os fura-greve, do alto de seu medo, rindo… e você, todo verdade: fez dezenas de cópias de seu holerite de R$ 0,00 reais do mês parado, e entregou de mão em mão, de olhos em olhos, a cada trabalhador dos Correios de Campinas, em diversas unidades, e gritava, profeta, “Esse é boletim do sindicato! Vamos rir todos juntos! Vamos!”. Vamos rir do meu mês sem salário, dos 42 dias a repor, da falta de comida, do aluguel atrasado, do meu quarto de despejo, do filho que mal alimento, do meu passado miserável… Você, Rodrigo, é esse canto torto feito faca, que cantava Belchior, cortando a carne dos hipócritas. Ah, meu amigo, o quanto de você não está nestes versos que escrevi outro dia?

Hasteia tua tristeza / tão alto quanto possas / quanto mais gente a veja / menos tua, mais nossa… // sim, sei que triste segue a tristeza // mas, veja, // se nos céus se encontram nossos olhos, / mais que dor, / empunhas uma bandeira”.

Em seguida, você se demitiu. (Faria tudo de novo?) Sei que era demais o abuso… Mas, aí, veio o aluguel, e a comida, e o filho, e a cobrança dos Correios pelos dias parados, e teu trompete quebrado pela polícia, e nenhum emprego, concurso, e o desprezo, “e daí?”, e o desprezo… e, então, você se demitiu de tudo. Não avisou ninguém e se foi, se fez mundo. (Achaste a saída?) E já se vão 5 anos sem teu sorriso miúdo, envergonhado, manso… Quero saber de ti, meu amigo, quero um verso soprado em meu ouvido, um sinal, um presságio, esse teu Chet Baker tocando, agora, de surpresa, no rádio.

Pô, bicho, nos deixar assim… E nem me responda se desculpando, que você sempre se desculpou demais. Tento acreditar que segue caminhando, inconformado com tudo. Eu compreendo tua decisão, apesar da raiva que, às vezes, ainda sinto. Eu, mesmo, sequei, Rodrigo, e, desde o coronavírus, nada escrevo… logo eu, que faço tanta poesia a partir das notícias de jornal, agora, mal consigo olhar as manchetes. Quando o inimaginável se faz chão, o que pode a poesia, a imaginação, amigo? Quando as metáforas, como “um mar de lama”, no caso de Mariana-Brumadinho, se tornam realidade, Rodrigo, o que pode fazer o poeta? Inventar novas palavras prum mundo caduco ou criar um novo mundo pras velhas? E se você responder que é preciso agir, agir a poesia, eu vou concordar, claro… mas, também, insistir que sem você, mano, anda mais difícil subverter a ordem, as palavras.

De tempos em tempos, te releio, poeta… sabia disso? Essa tua chama me iluminando, agindo no que faço, no que escrevo. Inclusive, tem duas poesias, no meu último livro, sobre você. Leu? As coloquei ali pra que você risse dos clichês e me respondesse indignado e voltasse pros seus. Ah, e espero que tenha te chegado o “Psiu!”, livrin que escrevi pra crianças de todas as idades. Narra a vida de um velhinho em situação de rua, de lua, de luta. E tá lá dedicado a você, que foi pelos teus olhos que entendi melhor as ruas e as coisas desimportantes, miúdas, que ninguém abraça… como o silêncio que só um humano dormindo em calçadas dispara. Silêncios, que você, trompetista do fim dos tempos, sempre escutava.

Mano, sei que é estranho querer retomar contato num momento como esse, de pandemia. Mas, sei lá, queria mesmo você aqui, agora, do meu lado, pra romper esse isolamento em que nos moldaram (não o do covid, necessário), e irmos de novo rodar o centro de palhaços. Lembra, Rodrigo? Da gente se maquiando no banheiro do Pão de Açúcar, ali do Cambuí, e depois nos apresentando pelos bares, pela praça Carlos Gomes… “você me ensinando a coragem / eu te ensinando a companhia // dois bobos rindo do mundo, / dessa máquina… / esse riso inútil e necessário…

E você nem sabe, bicho, aquele número de valsa que criamos, onde eu dançava com uma mulher linda – cabeça de bexiga num vestido vazado, metade do meu corpo dando, a ela, vida – e você na trompa denunciando a solidão… manja? Tá na apresentação que montei de palhaço, “O Circo da Miséria: o maior desespetáculo da Terra!” (Já deve estar rindo com esse título!) E me emociono toda vez que faço essa cena… por você nela, por teu olhar irmanado com os sem-nada, que é a base desse trabalho. Aliás, você segue saindo, palhaço, com sua trombeta anunciando apocalipses? Como vai a jornada? Fez seu rumo?

Eu tenho tentado achar o meu, querido, e, certo, devo ter cruzado contigo em alguma praça movimentada da América… você, tímido, nem deve ter me avisado, me seguindo pari passu. Fui com a “Poderosa Dulcinéia”, minha kombi-casa (você vai amá-la!), numa desventura mais quixotesca-menos guevárica. Você sabe, sigo lutando contra moinhos, contra as engrenagens, no encalço dessa poesia que possa ainda se fazer praça, pão.

Que é sempre essa mesma pergunta de Drummond a nos encarar, com olhos de horror e graça, e com a qual encerro esta carta, Rodrigo, na esperança de que não me faltem tuas palavras: e se todos nós vivêssemos, meu irmão?

Jeff (primavera de 2020)

Imagens: Jeff Vasques

CARTA 33 – De Adriana Zapparoli para o senhor da Portaria

Prezado Senhor de uniforme puído em tom de azul marinho e cinza … Olá!

Da minha janela, eu traduzo nossas rotinas meio à pandemia. No início, confusos e perdidos. Eu sei, nós estamos aflitos. Íntimos e distantes. Eu sei da sua idade de pouco mais de 75, a sua lida na portaria. Sua marmita. Horas de sua vida, entre outras horas que lhe devem ter ensinado a ser incansável; arriscar a vida pela subsistência real em uma portaria. Claro, a quantia advinda se soma ao resíduo de um salário-mínimo da sua aposentadoria: não morrer de fome. Sofro pensando em nossos idosos expostos à COVID; sobre a atenção, eu sei que sofrem com o enfraquecimento da seguridade social em um momento em que mais precisam de proteção… Então, eu olho para o teto ao cair da tarde e vejo outro ancião. É meu pai… e quase lhe toco a mão…

em meu leito de morte clamarei meu pai, Miguel Arcanjo, os cata-ventos e as moléculas de carbono …

Essa foi a última frase que eu redigi para ele. Ela está impressa em uma placa de prata.

Os dias seguem infinitos entre as árvores da calçada… são flashes indecisos de bem-te-vis entre nós. Da minha aflição, mesmo em reclusão, eu pensei que ficaria bem, assim como você, mas eu estou olhando pela sacada, pela vidraça entre registros. Não me posso autointitular poeta. Deveria ser muito mais liberta para isso. A escrita surge em onda. Reverbera sempre uma fase específica de minha vida. Um dia eu lhe mostrarei as plaquetes poéticas produzidas em misto de poema em prosa; sigo reescrevendo conteúdos sobre os diferentes olhares femininos e suas vivências sociais. Tão mais do mesmo, o senhor diria? Talvez. As mulheres sofrem ao ver o feminino sofrido diante do abismo. Elas estão encarceradas em meus livros… Mesmo que o escrito dê a impressão de hermetismo; há um arquétipo feminino a sentir aquilo. As impressões, que não são inspirações, são fatos os quais eu presenciei e traduzi em poesia; feito a poesia vista na guarita:

e aquele velho lobo marinho de ombros lobados e olhar franzino, suporta o calor do sol, meio aos vasos de flores e ondas de refrigerantes… enquanto isso os vírus nos observam de perto. de longe: a guarita…,

mas devo dizer que, eu não tenho apenas a escrita poética como forma de expressão. Traduzo vídeo e produzo imagem digital: são as palavras soltas que encontro… elas estão perdidas no mundo em cataclismo, nos postos de gasolina e nas farmácias. Falando nisso, o senhor ingeriu os seus medicamentos do dia?

Digo-lhe ainda, com o distanciamento social me tornei depressiva. Por uma velha índia laranja morta pela COVID e pelos amigos que passaram fome meio à pandemia.

O dia não me parece ventilado. Definhar são pensamentos obscuros. Mas daqui do alto, eu lhe vi em imagem de força. E senti vergonha por me queixar tanto… Minha vida e sua vida. Como o senhor está? Diga-me …

Ah, eu nem mencionei o meu nome…

Adriana Zapparoli.

Imagens: Adriana Zapparoli

CARTA 32 – De Marcos Siscar para Antonio

Campinas, 2020.

Caro Antonio,

Encontrei na rua outro dia o Hermes, nosso amigo comum. Ele que falou de você e me passou seu endereço. Lá se vão quase 30 anos que não conversamos. Hermes me contou que você está na periferia de Campinas, trabalhando numa comunidade, dando aulas de reforço para os menores e desenho para os mais velhos. Disse-me também que andava distribuindo almoço para as crianças sem escola. Fico feliz de ter notícias suas! E de saber que está passando esses meses atípicos de maneira tão empenhada.

Saudades daqueles nossos tempos de graduação! Das longas conversas sobre arte e poesia, sobre as coisas da vida. “A vida é uma m.”, você costumava dizer, quando a conversa chegava num ponto difícil de resolver. Ríamos muito, porque sabíamos que o dia seguinte renovava sempre as nossas possibilidades, nosso apego à vida. O mundo era um horizonte que se abria. Acho que nos conhecemos no Serviço de Apoio ao Estudante. Éramos os pés-rapados mais convictos das Humanas. E a pobreza dava uma aura especial para nossas esperanças.

Depois, cada um foi pro seu lado, eu ganhei uma bolsa de estudos e saí do país. Tenho ainda as cartas que você me mandou. Depois de encontrar o Hermes, comecei a reler algumas, mas logo desisti. Com tanta solidão nas ruas, depois de meses trancado em casa, achei que deveria lhe escrever.

Terminei os estudos, passei em concursos, estou bem. Continuo escrevendo poesia. Lembra? Você costumava ser meu primeiro leitor. Com o papel na mão, dizia “humm” para tudo, que eu nunca sabia direito o que significava. Desde os anos 1990, passei a publicar em livro o que escrevo. Poesia, ensaio e tradução. Depois do caminho feito, parece que o currículo passa a ser um detalhe. Dê um Google: você vai conseguir ler algumas coisas.

Voltei a Campinas para trabalhar na Unicamp. É uma sensação difícil de explicar. Morei muito tempo fora, conheci outras cidades. Voltar não foi uma opção fácil. Depois de ter morado em bairros periféricos, em Barão Geraldo, depois de ter amado viver o Centro, os bares do Cambuí, as ruas arborizadas do Guanabara, depois de ter sonhado em ficar na cidade para sempre e ter sido obrigado a ir embora, o fato é que, depois de tanto tempo, sentia que a cidade não me pertencia mais. E que eu não pertencia mais à cidade. Que precisava novamente encontrar a distância adequada, restabelecer a relação, ir me acercando da cidade.

Escolhi morar em Sousas, que não é exatamente Campinas: quer dizer, é uma espécie de fronteira para outra coisa. De lá, posso ver parte da cidade e de seus prédios. Fico a meio caminho entre a vida local e o cruzamento de rodovias, que me permitem sair e retornar.

Quando voltei a Campinas, escrevi este texto, do meu livro Manual de flutuação para amadores:

a distância consentida

qual é a distância certa da cidade? a altura
certa para ver a cidade? de onde a cidade
não seja apenas vista de onde não seja apenas
memória de outra ou miragem pressentida
meu desejo desta tarde é o da distância certa
uma troca de indícios uma ideia de alegria
não a ilusão panorâmica do que é visível
mas a distância consentida ali onde se aceita
a invenção da vida as insinuações da morte
a camada de mortos e de vivos sob a vasta
construção em curso desejo de cidade
me pergunto onde estou e qual a distância certa
mas não há nada além ou aquém desta
sacada leste nenhuma silhueta que passe
kaváfis ligeira sobre o topo das colinas

O consentimento é importante, mas não é tudo. Há também o apego (a atração e o desejo), que é gerado pela experiência e pelo cultivo dos laços. Sinto que a decisão de ficar em algum lugar depende sempre desse apego, que tem que passar em algum momento pelo apego do corpo: quando colocamos a mão na terra e nos sentimos conectados com sua temperatura e umidade; quando o tato, a cor, o cheiro e a visão da matéria se confundem num único elemento; mesmo quando é noite; mesmo sem ter certeza que o dia seguinte virá trazendo cores mais felizes.

No mesmo livro, tem um outro poema, chamado “O jardineiro noturno”:

o jardineiro noturno

contrariando o dia claro e os cortes difíceis
as raízes renitentes e a reparação do erro
o jardineiro cuidadosamente arranca uma a uma
as plantas que nasceram em seu canteiro
a terra está molhada o dia já se foi e os dedos
procuram a terra se sujam de terra do cheiro da terra
cegos pelo frescor de um verde muito denso
untados com a noite de uma prosa inespecífica
através do ar escuro adivinhamos agora sua face
adiada à espera de uma cor

Talvez venha daí a decisão de morar numa casa com quintal, de cultivar pequenas coisas, de ocupar-me com o corte. São modos de conexão com o chão onde se pisa. Nada mais apropriado para quem faz versos, já que versos são linhas que cortamos, que podamos ou que replantamos de outro modo. Vejo poesia como um modo de cortar e de reconectar, de tecer um destino e de trançar os destinos (de quem escreve com quem lê); é um modo de cultivar o cuidado e de acusar os golpes, sobretudo nos últimos anos, em tempo de tantas brutalidades.

Poesia é um modo de sobrevivência em vários sentidos, e não apenas defensivo. É como servir almoço para crianças, que não necessariamente se lembrarão de você. É um modo de se abrir ao mundo e de estabelecer relação com o outro. Não é fácil explicar, mas acho que você vai entender: para quem tem a nossa história, viver nunca foi muito diferente de sobreviver, não é? Viver sempre é uma luta, ainda que eventualmente acompanhada de afeto. E a poesia, para quem escreve, não é uma atividade de luxo, separada da vida e da sobrevivência. Escrever é como dar sentido ao que se vive: ir aumentando os perímetros da alegria, a alegria possível, ir adiando a morte.

Da mesma forma, o trabalho em casa nunca foi muito diferente do exílio em casa, e vice-versa. Veja esse texto. É um poema em prosa. Publiquei no meu Facebook, no pico da pandemia, pensando num filme que tinha assistido num momento de muita solidão, fora do Brasil, tempos atrás.

O exílio como em casa

Você me olha demais diz ela. Voz em dolby stereo. Um rosto muito amado. Os olhos metonímicos. É preciso aprender a vê-la. Estudar o ângulo a luz a boca o perfume a tez. Ambos exilados nessa tela. É preciso reaprender a vê-los. Vermelhos amarelos e pretos vermelhos. Panavision technicolor. É preciso reaprendê-los. Exilados como em casa. De um tempo a outro. Urgência que virou passado. Mudam-se os tempos cinema mudo. Olhe de novo o velho filme. Veja a casa antiga. (Acompanhou o rio até atravessá-lo. Chegou ao topo da outra colina. Dali se via a casa. Verdes vermelhos e vermelhos azuis. Parou. Fez alguns passos. Talvez acendesse um cigarro. Agora palavras inaudíveis. Sussurros. Dali se via a casa. Disposta no tempo daquele espaço. No horizonte o velho exílio. Aquela casa e aquelas outras. Vistas de longe. Verdes vermelhos ou pretos amarelos). Seu rosto. Minha casa na paisagem.

Saí de carro, um dia, e fui olhar a casa do outro lado do rio. Gosto de ver de longe e ir fazendo um zoom, me reaproximando. O zoom me mostrava uma espécie de exílio, mas um exílio amado, que se confunde às vezes com a memória de outros tempos. Claro que sinto falta da “balbúrdia” e das “aglomerações” (palavras estragadas pelas tristezas da nossa época), ou seja, dos alunos, dos amigos, dos botecos. Mas também tem havido muitos encontros nas redes sociais: trocas de textos, de vídeos, muitas lives. As “ilhas” que nos tornamos encontraram lugares de convivência, suavizaram a sensação de isolamento, nos deram forças para encarar tantas mortes e voltar a pensar naqueles que precisam de nós.

Espero que esta o encontre bem. Não achei seu nome nas redes sociais. Não é incomum em pessoas da nossa geração. A gente não se importa tanto com os intervalos, com esse entrelugar da correspondência física: a carta enviada pode demorar dias, e às vezes semanas, para chegar. O tempo faz parte da consciência da distância, e do desejo do reencontro, ainda que por palavras. Um poema tem muito a ver com uma carta, que se envia a um destinatário. Pode ser que chegue, e pode não chegar. Pode demorar 30 anos pra chegar (essa história aconteceu comigo, eu lhe conto outro dia). E mesmo quando chega, nem sempre é o que a gente quis: nem sempre é bem entendido ou bem recebido. Quando a gente escreve e se destina a um outro, é um pouco como se a gente morresse para poder chegar nesse destino. Como o outro vai reagir, o que vai ler nas entrelinhas, a gente nunca sabe.

Mas essa é a aventura. Acho que o fato de escrever, assim como o de existir, tem sempre alguma relação com essa pergunta que Caetano Veloso faz em “Cajuína”: “a que será que se destina?”.

Um abraço do amigo de sempre,

Marcos Siscar

Imagens: Marcos Siscar

CARTA 31 – De Maria Teresa C. R. Moreira para Rebekah

Amadíssima Rebekah:

Surpresa!!!

Aqui começa a primeira carta que te escrevo!!!
Devo dizer que começo a escrever com um punhado de emoções dançando aqui no peito: a emoção e a gravidade de te escrever pela primeira vez, o efeito deste longo tempo de isolamento que afeta tanto a vida de todos nós, a agitação no ar pelo fato de ser “véspera” de eleições, as saudades que me rasgam por dentro, o amor que não cabe em mim… tudo junto e misturado!!! Creio que elas se manifestarão, uma a uma, discreta ou descaradamente, conforme as palavras forem se derramando sobre o papel. Ou não… Veremos!!

Tão raras as cartas, hoje em dia, não é mesmo Rebekah?! Ainda mais assim, escritas à mão e coração!! De modo que é com reverência especial que me coloco aqui, diante do papel – e diante de você!!!

Vacilo entre transbordar-me toda, quase sem pensar, expressando-me praticamente despida de censura e de filtros (esse é meu impulso primeiro, primário, visceral…) e, por outro lado, pesar e pensar muito bem antes de escrever, pré-ocupada em expressar o que seria mais “correto”, mais “nobre”, mais “louvável”, como se fosse um registro histórico e acadêmico, que você pudesse guardar para a posteridade…

O vacilo dura apenas um minuto, Rebekah! Não sei colocar tanta roupagem e maquiagem e salto alto no que escrevo! Sou toda coração e é isso que quero comunicar, aqui e sempre!!! Tenho um poema, em meu livro “50 Faces da Menopausa”, que já diz bem isso mesmo:

Limpeza

Quero me desprender
Quero livrar-me
Quero abrir mão
De tudo o que é demais
De tudo o que é exagero
De tudo o que é rococó

Quero ser “clean”
Quero estar leve
Quero ser suave
Quero ser!

O exagero me turva
O que é demais, me empana
Sou intensa, no entanto…
Sou tudo muito
Sou explosão e transbordamento
E não quero outra natureza
Que a minha própria
– cada vez mais própria!

“Clean” é a palavra
Limpa!
Quero estar limpa!
Do que não é meu
Do que não sou eu
Do que é exagero de mim
Limpa!

Mãos limpas
Braços livres
Cara lavada
Corpo desnudo
Colo disponível
É como quero ser
E estar

Chega de realces
Chega de grifos
Chega de penduricalhos
De por em evidência!

Trabalho de unificação:
Limpar
Descobrir-me
Tirar a coberta
A cobertura
Desvelar
Meu eu.

Não vejo a hora!!!

Ah, Rebekah… esse é um passo libertador que a maturidade me trouxe de presente: não me importar quase nada com o que pensam e esperam os outros e, por consequência radical (ou seja, de mesma raiz!), ser mais atenta e fiel a quem sou!!! Por isso, especialmente, é que uso tantos pontos de exclamação, Rebekah!!! É quase uma assinatura minha!!! Uso e abuso do coitado (com respeito e carinho!!!), e isso tem a ver com meu jeito de viver e de dizer as coisas e a vida…! Com caras e bocas e gestos, quase cantando…!!! Sempre com encantamento, com surpresa, com ênfase, com um sorriso, que cada ponto de exclamação carrega e expressa para e por mim! Como já havia dito em meu poema: Sou tudo muito! Dificilmente uso o ponto final… você já deve ter notado! E sabe também porque, Rebekah?!? É que aprendi que na vida, muito pouca coisa é final…! Quase tudo é passageiro (até mesmo esta pandemia, com sua cara de infinita!!!), tudo é processo, e isso é lindo demais, e faz abrir escancaradamente o horizonte – o de dentro e o de fora! – dum tanto, Rebekah, que não tem outro jeito senão lançar mão de mais alguns pontos de exclamação!!!!!!!!!

Te conto, Rebekah, que estou sentadinha em meu novo escritório, em minha casa nova, aqui neste bairro que se chama Carlos Gomes e que faz jus ao seu nome, pela constante sinfonia de cigarras e quero-queros, maritacas, sanhaços, bem-te-vis, sabiás, gralhas e mil outros pássaros dos quais desconheço o nome, mas que nem por isso deixam de cantar para mim!!! E não é só!!!! Ainda há o canto da corredeira do Rio Atibaia e suas “309 mil” pedras, bem aqui em meu quintal!!!!! É verdade que o ruído da rodovia Governador Doutor Adhemar Pereira de Barros, que passa aqui perto, tenta abafá-lo, mas felizmente não o logra – pelo menos, não o tempo todo. Ah, há também o apito amistoso e poético, singelo e pitoresco da Maria Fumaça que passa aqui bem pertinho!!

Porque te conto tudo isso?!?!? É porque isso tudo tem a ver com a beleza das cartas, Rebekinha, e também da Literatura e da Poesia!!! Escrevo para cutucar sua cabecinha e fazer cócegas em sua imaginação!! Para registrar tempo e história, ao mesmo tempo que te convidar a imaginar e mergulhar neles!! Precisamos quase que desesperadamente disso, Rebekah!! Você, eu, todo mundo, mormente neste tempo que enfrentamos!!!! Precisamos manter despertas nossas mentes que há quem insista em colocar em caixinhas… precisamos deslimitar nosso olhar, que tem sido cimentado… precisamos revitalizar nosso coração, quem vem sendo dividido e partido em partidos… precisamos desancorar nossas mãos, que tem sido coladas ao celular…!!!!!!

Foi esse meu intuito ao descrever aqui um pouco do lugar onde estou a viver, foi esse meu intuito quando publiquei meu primeiro livro de poesia, o “50 Tons da Menopausa”, e todos os demais; é esse meu intuito em cada episódio de podcast, em cada Café com Poesia que promovo pelo Brasil afora, em cada publicação no Facebook e no Instagram, em cada evento literário que promovo ou participo!!!! Acredito no poder e na força construtora e revolucionária da Poesia, Rebekah! No poder e na força da Palavra que nasce do Verbo!! Acredito que posso semear amor com meus versos; acredito que contribuo assim para re-humanizarmo-nos, a mim e a quem me lê, acredito que abro espaço para a voz da mulher no mundo é assim garanto que você tenha ainda mais chance que eu para ser quem você quiser nesta História…!!! Acredito! Sou mulher de fé, Rebekah!!!

Mas, não, Rebekinha, não é fácil, sei que não!! E não sou somente esperança o tempo todo…claro que não! Sou muito gente, Rebekah, já disse isso: Sou tudo muito!!! E isso me torna muito especialmente humana, sabe? O sofrimento, a dor…!!! Me preocupa e assusta este nosso tempo, no qual as pessoas parecem não conseguir viver e enfrentar a dor, a decepção…! Me parece perigosíssimo!!! Não digo, com isto, que devamos procurar a dor, não, pelo amor de Deus!! Mas saber passar por ela – como num parto…! – é um dos caminhos que mais nos humaniza e nos solidariza com toda pessoa humana! Quem não sabe sofrer, em geral também não sabe realmente ver e ouvir e acolher o outro…!!!!!

Tudo isso eu penso alto aqui nesta carta, Rebekah, porque é sempre assim que eu escrevo: pensando alto, sentindo junto!!

E com esses derramamentos, sem muito nexo talvez, vou encerrando esta primeira carta que te escrevo, amada Rebekah! Que possa ser esta a primeira de muitas, que troquemos sempre derramamentos mútuos, para que, desta forma, possamos ir construindo juntas o que desejamos que seja nosso relacionamento – e o mundo todo!!

Deixo, em cada palavra, meu coração e minha bênção!!

Sua avó,

Maria Teresa!

Imagens: Maria Teresa Moreira