… em resposta à Carta 39.
Campinas-feliz, em novembro de 2020, ou não, passarinho de colar.
Prezada Mariana-Doce,
O dia está nublado e eu penso em responder sua missiva. Sabe, de sua carta, o que me trouxe bem estar foi uma leve brisa. Brisa de favos e afagos. A rotina me domina; tenho tomado atitudes além da saliva transbordando nos cantos da boca. Para ser sincera converso pouco. A poesia vem tomando o meu raciocínio. Não dura muito tempo e, quando surge, eu tendo oportunidade, redijo, uma carta para uma amiga. O sol da janela traz um reflexo verde limão-musgo. É um verde abilolado e cansado de raios. Mas o verde é forte e não se torna mais claro pelo excesso de luz-luar-solar. Ouço barulhos dos carros e das motos que trafegam sem parar no limite do asfalto. Aqui há apenas o som do ventilador. Gosto de ventiladores… ventila-dores, ventila-dor, venti-la-dor… Em sua carta você me pergunta sobre a poesia… Existe poesia na dor, na tristeza, nos escuros. Não tenho receio de encontrá-la. A poesia da beleza, do amor, favorece a poesia do lugar-comum. A poesia de sempre. A poesia mais do mesmo. A poesia me too.
Leio os escritores: são todos escritores do gênero poesia. Não me parecem poetas. Eu não sou poeta. Eles não o são. Para sermos poetas, nos seria necessário muito mais alma e cadinhos de sublimação. Claro, você pode discordar, mas no momento, é assim que concebo a poesia contemporânea. Todos somos aprendizes. Todos escrevemos muito mal. Algum escritor de poesia se sobressai um pouco mais nesse estilo. Outros menos. Sou avessa as leituras que me trazem memórias de escritores do passado. Então, talvez seja por isso que venha a experimentar tanto na escrita, e confesso: devo reescrever sempre. Dos autores contemporâneos… Sobre alguns poemas me chamam a atenção. Outros nem tanto… e “ la nave va”… mesmo assim, eu insisto na escrita e na leitura. Tive poemas publicados em outros países… Tive poemas que eu tentei me expressar em outro idioma. Experimentar literatura é sempre divertido. Também redijo as dores. Você acompanha as dores femininas, Mariana? Penso nas mulheres ancestrais que trago; nessas memorias que trazem o meu DNA. Fico pensando que sou a reencarnação dessas mulheres, que me incorporam nessas outras vias por meio das moléculas de carbono e, também, naquelas mais próximas que (des)conheço. Passarei essa vida gritando sobre a igualdade feminina. Mas afirmo que, com a chegada da COVID caímos e, ainda, rastejamos. Nossos sonhos estão criopreservados… Nossos sonhos, Mariana, que eu espero, não tenham medos de escuros, assim como eu ou você.
Estive andando pelas ruas. E não gosto nada da sensação. Havia um vírus na espreita… A sensação era essa. Não poderia haver descuido. Quem sabe venha a ter uma crise psicótica meio a esse inferno. Opto por ambiências abertas. Opto por espaços onde minha vida pareça mais protegida… enquanto segue a entropia. Sigo. Sigo tentando organizar o caos do meio ambiente interior. É por meio da (des)ordem a minha vida se mantém. A desordem nos obriga novas formas de ordem, um caos ordenado. Porque o tempo só anda para frente, e vivemos até o dia da produção da entropia máxima. E eu não aprendi a viver, ainda…
[sobre braços e pálpebras existem farelos castanhos e restos indigestos da febre e do repouso. existem conjuntivite, coriza, perda do apetite e existem flores do dia em sonho do amor, da bacia da boca
(que não existe)…
inexiste entre um fôlego e outro, entre o egoísmo e outros gestos de orelhas superiores.
centelha que existe, o fígado e o pâncreas que assistem a parte interna das bochechas, o exantema de Koplik e um cardio-peito convoluto que deflagra horrores.
insistem…
nos corpos copro-cavernosos de ogros, resiste o que se vê na encefalite (o que se vê, e não existe) na vertigem e dentro da bacia de sua boca
-fosso: o amor
que inexiste.
então, venha, venha meu amor, porque eu lhe mataria todos os dias se preciso fosse…]
Vejo fotos e admiro o seu sorriso!
Como está a semana em terras de barão? Quantos momentos felizes eu tive nessas terras de urso-polar e cobras-cegas. Existem baronesas e mamão papaia. E é tudo tão areia… O amor de minha vida eu vivi aí…
Um abraço, flor Mariana
Adriana Zapparoli