CARTA 27 – De Fausto Antonio para Daíse Lima

em resposta à Carta 15.

Estimada poeta Daíse Lima, bons momentos, saúde e paz.

Daíse, em carta gentilmente a mim endereçada, no agosto pandêmico e de isolamento, você ressalta a sua sensibilidade às violências dos tempos atuais e, com ênfase especial, às persistentes no sistema televisivo brasileiro. Tenho concordância com as suas reflexões e pretendo, numa necessária deriva pessoal, circular aqui, é uma forma de corresponder, as minhas posições a respeito do tema e da sua relação umbilical com “a sobrevivência da poesia.”

Quero enfatizar que a sensibilidade, “ser sensível,” a que você se refere em carta e vivencia, é uma das bases para assegurar, não isoladamente, a perenidade e atualidade da poesia. A sensibilidade, uma especificidade humana, atua nas duas pontas do processo de criação poética e da escrita artística, isto é, nas autorias e nas coautorias, a popular recepção. Dentro dessa relação, a “arte” do entendimento e da mudança exige autorias e coautorias sensíveis às revoluções estéticas e sociais.

A sensibilidade é uma cadeia ou corrente de elos entre autores (as) e leitores (as). Na minha ótica, é uma noção de sensibilidade, “ser sensível” é, por natureza, ser socialmente ativo e/ou ser sujeito e sujeita dos processos humanos, quaisquer que sejam.

A poesia perene, amiga Daíse Lima, navega na calha da sensibilidade. Eu diria que a poesia é uma forma de intervenção na sociedade e o primeiro movimento neste sentido interventivo passa pela afetação ou empatia com o outro (a) e, por igual malha de solidariedade, pela oposição radical a tudo que desconsidere, entre tantas outras, a plenitude da existência social, política, artística e filosófica.

A empatia, desce e sobe aqui outra noção, é um devir, no meu caso e processo literário, por exemplo e sem dúvida, para ativar, como artefato, a minha sensibilidade contra a opressão racial, de classe e socioespacial, que me revelam antirracismo, capitalismo e imperialismo.

Feito o preâmbulo alusivo ao papel ou função da sensibilidade e das agências raciais, de classe, gênero e socioespaciais, sem silenciar outras, Daíse, emergem o papel ou função da poesia e as suas agências e localizações, como aportes da sensibilidade, para o advento ou materialização de estéticas e linguagens poéticas libertárias.

Aqui avulta uma deriva autoral, a questão central diz respeito ao processo complexo e fundamental de transformar ou transfigurar as posições raciais, de classe e socioespaciais em linguagem poética, em arte. O desafio é permanente e essencial para elevar a estrutura de superfície, as referidas desigualdades sociais, à condição de estrutura interna e/ou objeto estético.

Quero ainda bradar, cara poeta, que a função pública da poesia, igualmente razão da sua eternidade, é indissociável da sua função e relevância estética que, por sua precedência e alcance futuro, alimentará o valor social da criação poética.

A sensibilidade, carne, osso e espírito, é uma espécie de fogo ou chama que movimenta, desde sempre, mulheres e homens. Na mesma pauta, a poesia que sobrevive tem, como motor, querida Daíse, carne e fogo e/ou corpo e espírito. Em outros termos, “o ser sensível” ocultado, estrutura profunda do poema, é, num círculo perfeito, a assimilação e transfiguração da radical sensibilidade, é o meu caso, em processo e projeto literário que ativa linguagens antirracismo, capitalismo e imperialismo. Sendo assim, muitas vezes, é preciso considerar como corpo e espírito ou fogo, Daíse, a obra poética e a vida estética e socialmente encruzilhadas nos textos e obras artísticas.

Cara Daíse Lima, amiga e poeta, assim a minha “sensibilidade” abraça, com corpo e fogo e/ou espírito, a sua.

Um beijo e abraço,

Fausto Antonio

Campinas, 17 de agosto de 2020