CARTA 12 – De Fausto Antonio para Rafa Carvalho

Caro Rafa Carvalho, bons momentos, saúde e paz.

A poesia se faz presente, no seu processo e trabalho de escrita, numa relação integrada ou num conjunto indissociável com outras manifestações artísticas. Numa ponta da criação fulgura a poesia, e na outra, estão presentes, num trânsito dialógico, o circo, a dança, o teatro, as artes visuais, o cinema especificamente e a performance. Há também a fatura musical, que redundará, no ano em curso, num disco.

Tomo a liberdade, com o afeto de poeta para poeta, de buscar nexos, que terão, assim desejo, utilidade para leitoras e leitores e,quem sabe, farão sentido para aquelas e aqueles que querem mergulhar no mundo da escrita e das relações entre as artes literárias e as demais manifestações artísticas.

Quero dizer, para alimentar as trocas e reflexões, que existe um paralelismo rigoroso, vital mesmo, entre as esferas do circo, teatro, música, cinema, artes visuais, performance e as artes literárias, a poesia e as poéticas que os interligam.

Partindo de outra aproximação, a poesia, de algum modo, espelha, na sua complexidade e natureza sistêmica, polissêmica, aspectos do todo artístico, quando ela, a poesia, se refere à “realidade” de tudo que é concebido e imaginado. Rafa, caro poeta, os submundos, os subuniversos e as pluriversalidades estão presentes e/ou contidos na poesia; o mesmo se aplica às manifestações circenses, teatrais, musicais, performáticas, visuais e cinematográficas, entre outras.

O desafio, prezado Rafa, é dar corpo à poesia. Não se trata de apartar a poesia do todo; mas sim reverberar e/ou ressoar, com as outras artes, o que é particular desse múltiplo mundo quase intocável da poesia e da inspiração.

Mesmo interligada ao sistema artístico, há algo na poesia, talvez você tenha concordância com a minha afirmação, que é suscetível de se mostrar autônomo interna e externamente e, ao mesmo tempo, vou negritar, permanece integrado. Internamente as palavras dançam; existe música, avultam cores, imagens, desenhos e múltiplos suportes para o poema. O sarau, o livro, as galerias, os telões de propaganda e, nos espaços banais de escolas, os varais de poesia. E no poema, que é forma, há a cor, imagem em ação, a concretude e as ações imagéticas e/ou cinematográficas.

O sistema artístico é um só; a visada particular, no entanto integrada, põe em destaque o prisma da poesia na clave do poema. A poesia se faz com os mesmos materiais constitutivos das demais manifestações artísticas. A poesia, que é som, cor e pensamento, é uma parte do mundo artístico, sem dúvida, mas não é independente. A questão é como adentrar na esfera mais íntima, pois existe uma margem ou margens que se tocam no poema, que é a realidade total da poesia que, por sua vez, é o meio e meio para a materialização do poema. E o que une, não se trata de unificar e/ou homogeneizar, por exemplo, dança, cinema, artes visuais e quaisquer manifestações artísticas, é o teor de especificidade de cada ramo artístico.

A poesia só terá força para iniciar e fertilizar uma relação ativa com as artes em geral a partir da sua transitiva especificidade. A poesia é um ente com identidade e identificação interna e externa.

Como ponto de partida para as trocas ou cartas, o poema, objeto e forma imaterial e material, reúne as interlocuções e relações internas (isto é, da poesia em si) e, ao mesmo tempo, as externas: dança, música, artes visuais, entre outras, permitindo empiricamente o advento do poema.

Prezado Rafa, assim a poesia sobrevive e sempre numa tessitura com a sociedade e as artes em geral; mas ela tem as suas próprias margens. Nas encruzilhadas dessas margens, meu caro, seguem o meu abraço e respeito.

Cordialmente,

Fausto Antonio

Campinas, 02 de agosto de 2020

Imagem: Fausto Antonio
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